segunda-feira, 21 de agosto de 2017

ACADÉMIE DES SCIENCES NO SÉCULO XVIII E O SABER ENCLAUSURADO

Os anos entre 1749 e 1752 foram importantíssimos para uma mudança de postura sobre o conhecimento na França e um personagem central nesta história foi Jean le Rond d´Alembert. Entre os quatro amigos que compunham o filósofos de "segunda categoria" naquela época - d´Alembert, Diderot, Condillac e Rousseau - d´Alembert era o único que compunha os quadros da Académie des Sciences, principal instituição de pesquisa da Monarquia Francesa. Ser aprovado como membro da Académie era uma das maiores glórias que um homem de conhecimento poderia alcançar.
              

Jean-Baptiste le Rond d'Alembert, pintura de Maurice Quentin de La Tour

Toda pesquisa era lida para os acadêmicos em reuniões que eram lotadas. O público que frequentava as reuniões era ávido por novas descobertas. Os membros queriam a todo custo a aprovação de seus pares, aquilo que a escritora Elizabeth Batinder denominou de Desejo de Glória, título do primeiro livro da série As paixões intelectuais publicado no Brasil pela editora Civilização Brasileira em 2007.

 A principal área de conhecimento discutida na Académie era a geometria, mas também se destacava a taxologia, a eletricidade, a química, a astronomia entre outras ciências naturais. Os membros buscavam no tesouro real contribuições para realizar pesquisas que beneficiavam o saber e o desenvolvimento do Estado em matéria de navegação, exploração e tecnologias bélicas. Umas das questões mais debatidas na Académie por exemplo, ocorreu entre Pierre Louis Moreau de Maupertuis e a família Cassini sobre o formato da Terra. Os Cassinis defendiam a Teoria dos Turbilhões de Descartes, para eles, a Terra foi originada por vórtices que alongaram seus pólos. Foi neste período que Maupertuis conseguiu realizar uma expedição à Lapônia onde provou que a Terra era achatada ao medir o arco meridiano no Círculo Polar Ártico (têm quem diga atualmente que a Terra é plana). Demorou muito para os Cassini aceitarem a prova de Maupertuis, após outras expedições, uma delas realizadas pelo próprio Cassini, a tese da Terra achatada ficou incontestável. Ao confirmar uma teoria newtoniana que retirava as glórias dos cartesianos, Maupertuis almejou o título de maior acadêmico da França, mas por não ter sido reconhecido,  abandonou a Académie des Sciences a convite de Frederico II da Prússia e passou a dirigir a Academia de Berlim. 


Maupertuis. Pintura de Robert Tournières

Foi uma época de disputas e de debates acalorados que não ficavam reservados apenas a Académie des Sciences. Esses heróis do conhecimento se encontravam constantemente nos salões das nobres adúlteras e ávidas por saber, mulheres distintas que seguiam a conduta da Corte e simultaneamente revolucionavam seu tempo ao lançar livros e teses de diversas áreas num ambiente dominado pelo sexo masculino. Claudine Alexandrine Guérin de Tencin (mãe biológica d´Alembert), Marie-Thérèse Rodet Geoffrin, Marie Anne du Deffand (amiga de Voltaire) e principalmente Gabrielle Émilie Le Tonnelier de Breteuil, marquesa de Châtelet foram as rainhas dos salões onde cotidianamente os acadêmicos se reuniam. A Srª Émilie du Châtelet, além de ter tido uma vida agitada, entrou no panteão dos filósofos franceses com destaque nas áreas de geometria e física.


Leitura de Molière por Jean-François de Troy, cerca de 1728 

Três fatos compunham a sociedade de acadêmicos franceses neste período: 1º - a grande predominância das ciências naturais como mestra do saber; 2º - a luta entre os paradigmas metodológicos de René Descartes e Isaac Newton; 3º - a ausência da opinião pública no debate acadêmico. Os três fatos contribuíram para a crise da Académie. Essa história pode ser narrada justamente pela ascensão do d´Alembert. 

D´Alembert dividiu o projeto da famosa Encyclopédie da Ilustração com o jornalista e pensador Denis Diderot que já há um tempo buscava ser aprovado como membro na Académie. Esse projeto era independente da  Académie des Sciences. Os filósofos de "baixo escalão" como Jean-Jacques Rousseau e Étienne Bonnot de Condillac foram convidados para escrever artigos. Eram pensadores que não estavam presos no sistema universal mecânico de Newton e nem na racionalidade e objetividade de Descartes. Trouxeram a tona temas nas diversas áreas que eram subjugadas pelas ciências da natureza tais como a política, a música e as artes em geral. Com isso a  Académie começou a perder sua glória para os jovens filósofos. 


Capa da Encyclopédie 

D´Alembert a partir das ironias da História estava vigando seu protetor - Maupertuis, newtoniano convicto que aprofundou as rinhas na Académie contra os cartesianos. A luta dos paradigmas separou seus membros em bolhas ideológicas, assim, a ciência pura e experimental teve que se adaptar aos paradigmas. O saber enclausurado na Académie cedeu espaço a um novo catalizador de conhecimento: a opinião pública. O conhecimento não era monopólio da instituição do rei Luís XV, ele ganhou artigos em jornais e livros que foram proibidos pela censura - tais como o Espiríto das Leis de Montesquieu e a História Natural de Buffon.

O ano de 1952 foi o ano da vitória da Encyclopédie sobre a Académie des Sciences. Todo conhecimento passaria pela opinião pública e o Estado absolutista buscou calar esses novos filósofos. Nascia assim o movimento conhecido como Ilustração e o germe ideológico da maior revolução política da história.

Hoje percebemos que as Universidades, frutos das antigas Academias passam por período de crise onde seus projetos e teses não estimulam mais a sociedade a pensar ou a buscar conhecimento. A opinião pública está afastada da Academia, seus professores gloriosos disputam títulos e publicações entre si para enriquecer o currículo e assim receber todas as glórias tal como queria um Maupertuis. 

Estamos vivenciando hoje no Brasil novos d´Alemberts que saem do enclausuramento ideológico das universidades e buscam construir saberes com as diversas categorias sociais. Homens e mulheres que são convidados constantemente aos "salões"  dos cafés filosóficos e que levam os indivíduos a pensarem por si mesmo, a não seguir bolhas ideológicas. Não sei onde vai parar as contribuições de Clóvis de Barros Filho, Leandro Karnal, Viviane Mosé e Mario Sérgio Cortella, mas que um novo mundo do conhecimento está deixando seus germes proliferar, isto é evidente.          



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