domingo, 5 de agosto de 2018

A BOA E VELHA SAFADEZA


Em tempos críticos sem criticidade, cujo vazio vomita ódio e rancor e a política é mitificada, ler Charles Bukowski é sempre bom. Ele é mais realista do que se espera, sua beberrice é cheia de verdades, para o mesmo a caretice mascara os sentimentos, as vontades são adaptadas e cheias de má-fé e a política é o mesmo que comer cu de gato. Escritor muito elogiado, Bukowski não se preocupa com opiniões e não se apega ao dinheiro a não ser para tomar vinho e apostar em corridas de cavalo. Escreve para não enlouquecer, pois ser sóbrio no século XX é muito complicado. 

O mundo virou uma prova em aberto onde todos os gostos e atitudes são testadas. Se não gosta, detesta, se gosta, se apaixona. Não existe meio termo, tudo é demais, do drama à comédia. O que Bukowski nos faz sentir perante este mundo de extremos? Ele descreve a falta de vida, do simples desprezo por problemas que jamais conseguiremos resolver. Fumou e bebeu a vida toda, "trepou" a vontade, não comprou o inferno dos outros, pois seu próprio inferno bastou e morreu aos 73 anos. Viveu e escreveu.

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

ACADÉMIE DES SCIENCES NO SÉCULO XVIII E O SABER ENCLAUSURADO

Os anos entre 1749 e 1752 foram importantíssimos para uma mudança de postura sobre o conhecimento na França e um personagem central nesta história foi Jean le Rond d´Alembert. Entre os quatro amigos que compunham o filósofos de "segunda categoria" naquela época - d´Alembert, Diderot, Condillac e Rousseau - d´Alembert era o único que compunha os quadros da Académie des Sciences, principal instituição de pesquisa da Monarquia Francesa. Ser aprovado como membro da Académie era uma das maiores glórias que um homem de conhecimento poderia alcançar.
              

Jean-Baptiste le Rond d'Alembert, pintura de Maurice Quentin de La Tour

Toda pesquisa era lida para os acadêmicos em reuniões que eram lotadas. O público que frequentava as reuniões era ávido por novas descobertas. Os membros queriam a todo custo a aprovação de seus pares, aquilo que a escritora Elizabeth Batinder denominou de Desejo de Glória, título do primeiro livro da série As paixões intelectuais publicado no Brasil pela editora Civilização Brasileira em 2007.

 A principal área de conhecimento discutida na Académie era a geometria, mas também se destacava a taxologia, a eletricidade, a química, a astronomia entre outras ciências naturais. Os membros buscavam no tesouro real contribuições para realizar pesquisas que beneficiavam o saber e o desenvolvimento do Estado em matéria de navegação, exploração e tecnologias bélicas. Umas das questões mais debatidas na Académie por exemplo, ocorreu entre Pierre Louis Moreau de Maupertuis e a família Cassini sobre o formato da Terra. Os Cassinis defendiam a Teoria dos Turbilhões de Descartes, para eles, a Terra foi originada por vórtices que alongaram seus pólos. Foi neste período que Maupertuis conseguiu realizar uma expedição à Lapônia onde provou que a Terra era achatada ao medir o arco meridiano no Círculo Polar Ártico (têm quem diga atualmente que a Terra é plana). Demorou muito para os Cassini aceitarem a prova de Maupertuis, após outras expedições, uma delas realizadas pelo próprio Cassini, a tese da Terra achatada ficou incontestável. Ao confirmar uma teoria newtoniana que retirava as glórias dos cartesianos, Maupertuis almejou o título de maior acadêmico da França, mas por não ter sido reconhecido,  abandonou a Académie des Sciences a convite de Frederico II da Prússia e passou a dirigir a Academia de Berlim. 


Maupertuis. Pintura de Robert Tournières

Foi uma época de disputas e de debates acalorados que não ficavam reservados apenas a Académie des Sciences. Esses heróis do conhecimento se encontravam constantemente nos salões das nobres adúlteras e ávidas por saber, mulheres distintas que seguiam a conduta da Corte e simultaneamente revolucionavam seu tempo ao lançar livros e teses de diversas áreas num ambiente dominado pelo sexo masculino. Claudine Alexandrine Guérin de Tencin (mãe biológica d´Alembert), Marie-Thérèse Rodet Geoffrin, Marie Anne du Deffand (amiga de Voltaire) e principalmente Gabrielle Émilie Le Tonnelier de Breteuil, marquesa de Châtelet foram as rainhas dos salões onde cotidianamente os acadêmicos se reuniam. A Srª Émilie du Châtelet, além de ter tido uma vida agitada, entrou no panteão dos filósofos franceses com destaque nas áreas de geometria e física.


Leitura de Molière por Jean-François de Troy, cerca de 1728 

Três fatos compunham a sociedade de acadêmicos franceses neste período: 1º - a grande predominância das ciências naturais como mestra do saber; 2º - a luta entre os paradigmas metodológicos de René Descartes e Isaac Newton; 3º - a ausência da opinião pública no debate acadêmico. Os três fatos contribuíram para a crise da Académie. Essa história pode ser narrada justamente pela ascensão do d´Alembert. 

D´Alembert dividiu o projeto da famosa Encyclopédie da Ilustração com o jornalista e pensador Denis Diderot que já há um tempo buscava ser aprovado como membro na Académie. Esse projeto era independente da  Académie des Sciences. Os filósofos de "baixo escalão" como Jean-Jacques Rousseau e Étienne Bonnot de Condillac foram convidados para escrever artigos. Eram pensadores que não estavam presos no sistema universal mecânico de Newton e nem na racionalidade e objetividade de Descartes. Trouxeram a tona temas nas diversas áreas que eram subjugadas pelas ciências da natureza tais como a política, a música e as artes em geral. Com isso a  Académie começou a perder sua glória para os jovens filósofos. 


Capa da Encyclopédie 

D´Alembert a partir das ironias da História estava vigando seu protetor - Maupertuis, newtoniano convicto que aprofundou as rinhas na Académie contra os cartesianos. A luta dos paradigmas separou seus membros em bolhas ideológicas, assim, a ciência pura e experimental teve que se adaptar aos paradigmas. O saber enclausurado na Académie cedeu espaço a um novo catalizador de conhecimento: a opinião pública. O conhecimento não era monopólio da instituição do rei Luís XV, ele ganhou artigos em jornais e livros que foram proibidos pela censura - tais como o Espiríto das Leis de Montesquieu e a História Natural de Buffon.

O ano de 1952 foi o ano da vitória da Encyclopédie sobre a Académie des Sciences. Todo conhecimento passaria pela opinião pública e o Estado absolutista buscou calar esses novos filósofos. Nascia assim o movimento conhecido como Ilustração e o germe ideológico da maior revolução política da história.

Hoje percebemos que as Universidades, frutos das antigas Academias passam por período de crise onde seus projetos e teses não estimulam mais a sociedade a pensar ou a buscar conhecimento. A opinião pública está afastada da Academia, seus professores gloriosos disputam títulos e publicações entre si para enriquecer o currículo e assim receber todas as glórias tal como queria um Maupertuis. 

Estamos vivenciando hoje no Brasil novos d´Alemberts que saem do enclausuramento ideológico das universidades e buscam construir saberes com as diversas categorias sociais. Homens e mulheres que são convidados constantemente aos "salões"  dos cafés filosóficos e que levam os indivíduos a pensarem por si mesmo, a não seguir bolhas ideológicas. Não sei onde vai parar as contribuições de Clóvis de Barros Filho, Leandro Karnal, Viviane Mosé e Mario Sérgio Cortella, mas que um novo mundo do conhecimento está deixando seus germes proliferar, isto é evidente.          



segunda-feira, 14 de agosto de 2017

O RETORNO DO ABSURDO



Dias sombrios estamos vivendo. Não me lembro de um período em que a extrema-direita aparecesse com tanta força desde o nazismo de Hitler. O que aconteceu em Charlottesville, no Estado da Virgínia nos Estados Unidos foi um absurdo. Centenas de homens e mulheres carregaram tochas pelas ruas da cidade fazendo saudações nazistas. Neonazistas, extremistas raciais sempre existiram no mundo ocidental, o problema é que eles foram para as ruas afirmar Sou nazista, sim, fato que a princípio é um absurdo, principalmente para quem trabalha na área de ensino como professor de Humanas. 

O que aconteceu para que um episódio assim viesse a tona? Coloco como causa principal a ideia de "fim da história" de Francis Fukuyama. Defendida em 1989, após a queda da URSS, a vitória da democracia liberal e do livre capitalismo levaram a evolução humana ao ápice, tínhamos assim alcançado o Estado ideal tal como previu o filósofo Hegel no século XIX. O mundo globalizado nos paralisou e as ideias findaram assim como os últimos resquícios da metafísica. Passamos a viver num mundo técnico, ápice da Revolução Industrial. Até nossas ações deixaram de ser ações próprias para serem frutos de experiencias neurológicas. O que sobrou? O vazio! O perigoso vazio cujo fruto é o absurdo.

Mas todo vazio serve de acúmulo. Alguns jovens preencheram esse vazio com a ideologia extremista do Estado Islâmico, uma minoria com as ideias marxistas, já saturadas, que pouco preenche este vazio. O vazio ocasionado pelo fim da história ganhou força quando Donald Trump, o candidato absurdo à presidência dos Estados Unidos, ganhou as eleições absurdamente. Seu discurso contra imigrantes juntamente com a proposta de construir um muro separando o país das maravilhas do México inflamou o discurso nazista.

Estamos vivendo tempos de ignorância. Ignoramos a História, ignoramos a Filosofia, ignoramos a Ciência. O pós-modernismo diluiu a História, o passado pode ser mudado ao bel prazer dos nazistas, assim, o Holocausto foi uma "invenção" historiográfica. A Filosofia por não ser basear em evidências experimentais e por não seguir a lógica de mercado, se perdeu em sua "própria" lógica, que organiza o discurso, mas que não diz nada, assim ela perdeu sua utilidade, fato que abriu espaço para falácias ganharem sentido tal como a supremacia negra sobre os brancos e o fato das mulheres dominarem os homens (esse discurso existe e tem milhares de defensores). A Ciência é desvalorizada em detrimento de discursos políticos (melhor exemplo é o próprio Trump sobre a questão ambiental), pseudociências são divulgadas como conhecimento em redes televisivas, nas escolas a Religião predomina quando o assunto é a Evolução, ETs, espíritos e teorias cientistas mirabolantes recebem mais atenção do que temas mais urgentes, mais humanos. Ou seja, como alertou Sagan no livro O Mundo assombrado pelos demônios, a ignorância está derrotando o conhecimento. E qual é o fruto da ignorância? O absurdo.

Estamos entrando num sonho tal como os nazistas entraram com a ascensão de  Hitler e só uma tragédia explosiva pode nos acordar. Espero que o conhecimento volte a predominar nestes tempos sombrios, antes que seja tarde e o absurdo nos devolva ao caos.            

terça-feira, 24 de maio de 2016

WALDEN OU A VIDA NOS BOSQUES

Chega um momento que cansamos de ser superficiais ou de passar pelos mesmos lugares de concreto, escutar os mesmos sons e medir tudo pela riqueza. Ao me sentir assim que assisti o filme NA NATUREZA SELVAGEM (ver o post abaixo). Numa das cenas do filme aparece os livros que influenciaram Alex Supertramp. Além de Tolstoi e Jack London, aparece o livro Walden ou a vida nos bosques de Henry David Thoreau. Comprei a edição da L&PM Pocket de imediato e a devorei.


O livro foi escrito com total indiferença ao academicismo e de tudo aquilo que preza os padrões de uma leitura erudita. Thoreau narrou sua vida durante dois que residiu no Lago Walden localizado em Concord no Estado de Massachusetts (EUA). A narração de sua experiencia nos bosques mistura-se com declarações filosóficas e críticas ao modelo de vida que valorizava o luxo - típico da era industrial no século XIX nos Estados Unidos. Um exemplo é sobre a vestimenta. Exposta na parte em que trata a economia, para Theoreau, a roupa deveria ser vestida pelo homem enquanto esta for útil, sem luxuria, sem necessidade de trocar pelo mero prazer de obter um objeto novo.
A felicidade deve ser construída por cada homem de acordo com suas convicções. Para Thoreau, a felicidade DELE estava em viver em contato com Natureza, ao valorizar todos os seus frutos: da casa à pesca, das leituras de Homero aos plantio de feijão, do som da locomotiva aos sons dos pássaros, da convivência com os animais à convivência com os vizinhos. 
O americano segue na contramão da sociedade industrial e recria o modelo de liberdade que faz com que o ser humano reencontre a natureza. Sua obra é de estimada importância nos dias atuais, nos sentimos cada vez mais manipulados pelo consumismo e pela vida urbana. Necessitamos restabelecer nosso elo com a natureza, ou seja, "pensar como uma montanha" para evitarmos catástrofes ambientais. 
Estava passando por um período de autoconhecimento durante a leitura e do livro, e Thoreau me ajudou a pensar muito, Abaixo transcrevo alguns trechos que me fez admirar as ideias do escritor.

"Os únicos seres felizes no mundo são os que gozam livremente de um vasto horizonte."

"Imposturas e ilusões são estimadas como as mais sólidas verdades, ao passo que a realidade é fabulosa. Se os homens observassem constantemente apenas as realidades, e não se deixarem iludir, a vida, comparada as coisas que conhecemos seria como um conto de fadas ou uma história das "Mil e Uma Noites".

"A manhã, que é a parte mais memorável do dia, é a hora do despertar. É quando temos menos sonolência; e durante uma hora, no mínimo, desperta em nós uma parte que dormita o resto do dia e da noite. Pouco se pode esperar do dia, se é que pode ser chamado de dia, para o qual não somos despertados para nosso Gênio, mas pelas cutucadas mecânicas de algum criado, não somos despertados interiormente por nossas aspirações e forças recém-adquiridas, acompanhadas pelas ondulações de uma música celestial, em vez de apitos da fábrica, e um perfume preenchendo o ar - para uma vida mais elevada do que a anterior ao nosso sono, e assim a escuridão frutifica e se revela boa, tanto quanto a luz." 





terça-feira, 17 de maio de 2016

TRÊS FILMES SOBRE "PEGAR A ESTRADA"

            Para quem gosta de viajar, a estrada é quase um templo. Comparamos uma estrada à vida, cheia de retas, curvas, encruzilhadas. Cada um possui um motivo para fazer esta peregrinação, as vezes até sem destino, só pelo prazer de estar viajando ou por procurar o "melhor lugar" para sossegar o espírito.
            Indico aqui três filmes que abordam direta ou indiretamente o tema. Cada um com características diferentes, mas com o espírito aventureiro em chamas no coração.


NA NATUREZA SELVAGEM (2007)

"Na Natureza Selvagem" (Into the Wild) estreou em 2008 com direção de Sean Peen. Conta a história real de Christopher McCandless, um jovem que ao concluir os estudos, decidiu largar a vida autoritária dos pais e a "civilização" para sobreviver sem luxo e ganância. Assim ele seguiu viagem pela costa leste americana e conheceu várias pessoas que mexeram com sua vida. Sua meta era chegar ao Alasca e viver intensamente uma vida selvagem, parecido com a vida de Thoreau no lado Walden. O encanto do filme é como uma vida nômade e desprendida de riquezas materiais pode ressignificar a convivência entre as pessoas e a natureza. Como foi possível no final do século XX um garoto contrariar ideologias dominantes e fazer um retorno ao seu estado de "bom selvagem"? É isto que encanta no filme. A trilha sonora é espetacular e faz nos sentirmos em estado selvagem com as músicas de Eddie Vedeer. A vida na estrada é um desapego das cidades, do sonho de ter um bom emprego e de seguir as ideias impostas pela sociedade. A cada lugar que passava, Alex Supertramp (como se denominava McCandles) deixava um marca: é possível adquirir muito conhecimento com a estrada. O filme é realmente encantador e me arrebatou, hoje penso a natureza de forma diferente e sei que para ser feliz é necessário ter duas constantes: desapego a sociedade e uma boa companhia.




NA ESTRADA (ON THE ROAD) (2011)

Dirigido pelo brasileiro Walter Sales, "Na Estrada" é a adaptação do principal livro de Jack Kerouac. O filme narra a vida na estrada de dois amigos - Sal Paradise (ou o próprio Kerouac) e Dean Moriarty. Os dois amigos atravessam as estradas dos Estados Unidos na base do sexo, das drogas e do jazz. O filme também é uma crítica a sociedade americana e seus princípios morais. Narra a própria história do Kerouac, que ao perder o pai, busca inspiração para escrever um livro e encontra na amizade com Neal Cassady (Moriarty no filme) um mundo totalmente diferente. A história narrada por ele influenciou a cultura americana na metade do século XX tal como o movimento hippie e os Beatles. A estrada, assim como "Na Natureza Selvagem" é um espaço de libertação da moralidade civilizatória. O sexo é explícito e o consumo da maconha muito natural. Antes do Rock, dos hippies, os Estados Unidos estavam bem adiantados na contracultura. A estrada representa a vida no seu ápice, nada melhor do que sair sem destino e estar feliz por estar do lado de seus melhores amigos. Pegar a estrada para ser você mesmo não tem preço (e nem responsabilidade).



NEBRASKA (2013)

Filme de Alexander Payne, Nebraska narra o drama de um idoso alcoólatra que acredita ter ganho 1 milhão de dólares. O anúncio era uma propaganda de revista, mas o senhor Woody Grant não tira a ideia da cabeça e mesmo a pé segue em direção ao Nebraska em busca do prêmio. Seu filho David mais novo, diante uma separação resolve levar o pai para pegar o prêmio e assim os dois seguem pela estrada. David  aproveita a viagem para conviver mais com o pai, frequentam bares, hotéis e chegam a passar um fim de semana na cidade natal que originou a família. Woody, diferente dos personagens principais, é um conservador em pessoa que vê a família de maneira arcaica. O filme é lindo, pois mostra o amor de um filho por seu pai e como este sabe que não adianta discutir com os mais velhos. A estrada no filme não é uma aventura, mas sim o caminho que despertou e rejuvenesceu um idoso que já aparentava estar morto para a família. Assisti o filme de maneira serena, sempre quis viajar com meu pai (ele é caminhoneiro), mas ele não deu oportunidade, ainda estou a espera.









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