quinta-feira, 21 de junho de 2012

Desconstrução do Populismo: concepções teóricas


                                            Jânio Quadros em campanha eleitoral 

Para o brasilianista Skidmore, o coronelismo se assentava “num sistema político manipulável” enquanto o populismo “pressupõe um sistema político aberto com resultados menos previsíveis”. Assim como colocamos o coronelismo como cultura política, o populismo também o é? O populismo a partir da análise conceitual, a priore, seria a continuação da cultura política mandonista que perpassa o patriarcalismo e o coronelismo. Ocorre que em termos conceituais, o populismo é um termo confuso: seria o personalismo dos políticos e a barganha dos votos num cenário urbano e industrial. Enquanto que nas regiões menos urbanizadas seria um novo sistema de controle entre dominantes e dominados.
Na historiografia brasileira, o conceito de populismo está intermediado com as condições da vida das classes trabalhadoras. Devido à falta de determinada consciência de classe das “massas”, recém-chegada no setor urbano, o Estado utilizou de práticas populistas para “manipular, cooptar e corromper os trabalhadores”. Ocorre que nas últimas décadas o conceito de populismo foi revisado e não se enquadrou no conceito de cultura política.
O historiador Jorge Ferreira divide a interpretação do populismo em duas gerações. A primeira geração abrangeu as décadas de 1950 e 1960. Neste período, o populismo foi explicado a partir da teoria da modernização. A inserção da América Latina no mundo moderno foi diferente da democracia liberal européia, o processo de urbanização e industrialização mobilizou as “classes populares” que buscaram maior representatividade política, o resultado foi o aparecimento de ditaduras militares e governos nacionais – influenciada por líderes manipuladores “das massas”. O populismo surgiu num período de transição da economia agro-exportadora para a economia industrial. A sociedade moderna se originou da formação da classe campesina que migrou para as cidades.
Destacam-se várias teorias sobre o populismo na primeira geração sugerida pelo(s):
·                O Grupo de Itatiaia: defendia a teoria da modernização com o surgimento de uma classe proletária sem consciência de classe liderada por um líder carismático.
·                O sociólogo Alberto Guerreiro Ramos: descreve o populismo como “doenças infantis do trabalhismo” de um “povo embrionário”. As doenças por ironia eram “o varguismo, o janguismo, o peleguismo e o expertismo”.
·                O sociólogo Luiz Werneck Viana: o populismo segundo este, numa “interpretação sociológica” surgiu a partir do individualismo de origens rurais que transformou a classe operária passiva perante o domínio do Estado.
A segunda geração analisou a relação entre o Estado e a sociedade com forte influência do marxismo. Assim se destacou nas discussões o conceito de ideologia. A principal questão era: como a ideologia influenciou a classe trabalhadora referente ao papel do Estado?   A resposta foi o advento por parte do Estado de uma “falsa consciência” que levou os trabalhadores a não se revoltarem contra o Estado. A maior influencia marxista foi de Antonio Gramsci, para esta geração, o poder repressivo e persuasivo[1] do Estado prevaleceu sobre as classes trabalhadoras dando origem ao populismo.
     A partir da década de 1980 o conceito de populismo foi substituído por uma análise vidrada no controle operário. O Estado utilizou de mecanismos racionais para controlar a classe operária. Mas com a recepção da história cultural no Brasil, percebe-se que este controle era ilimitado, pois a classe operária possuía vida própria. Assim, observou-se que nenhum Estado tinha domínio totalitário sobre as “massas”, pois existiam relações mais complexas entre dominantes e dominados.   
Concordamos com Ferreira quando este nega que o Estado transformou a sociedade em elemento passivo perante a dominação e a repressão. Para ele:

A sociedade em si mesma não era tão “boa” e isenta de culpas, e que nela circulavam preconceitos contra judeus; manifestaram-se rancores contra alemães e japoneses, sobretudo durante a Segunda Guerra Mundial; existiam pessoas com horror dos comunistas ou dos integralistas; encontravam-se alguns que queriam punir o comerciante da esquina desmedido em seus lucros; havia outras que desejavam livrar-se das dívidas com agiota – e, em alguns casos, mais raros, do próprio marido. (...) Em outras palavras, as relações entre Estado e sociedade não eram de mão única, de cima para baixo, mas sim, de interlocução, de cumplicidade.

            Ao se retirar a interpretação maniqueísta entre o Estado e a sociedade, o conceito de populismo perde sentido. A partir da década de 1990, o conceito estava em colapso devido à introdução no Brasil de teorias advindas da História Cultural[2] e da História Social. Houve também a interpretação baseada na idéia de que a consciência de classe forma-se independente da relação com a classe dominante. Teoria atribuída ao historiador inglês E.P. Thompson:
Se determos a história num determinado ponto, não há classes, mas simplesmente uma multidão de indivíduos com um amontoado de experiências. Mas se examinarmos esses homens durante um período adequado de mudanças sócias, observaremos padrões em suas relações, suas idéias e instituições. A classe é definida pelos homens enquanto vivem sua própria história e, ao final, esta é a sua única definição.

            Assim, a partir desta interpretação relativa à idéia de “classe”, entendemos o populismo como pouco elucidativo para explicação da relação política entre o Estado e a sociedade. Não houve uma dominação ideológica entre o Estado e a classe operária, mas sim, troca de interesses. Logo o populismo não é um poder absoluto e totalitário, já que existem os valores, as crenças, os mitos e as tradições de determinada sociedade, que ora denominamos de cultura política. 
                           Adhemar de Barros, o 1° grande "populista", governador de São Paulo


[1] A partir da propaganda do governo e da doutrinação política.
[2] Destaca-se a idéia de “circularidade cultural” de Ginzburg do qual as idéias “circulam” entre a cultura popular e a cultura erudita e a idéia de apropriação e resignificação das mensagens dos dominantes discutida por Chartier.

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