O Nordeste nem existia ainda no século 19,
pois segundo Durval Muniz esta região só foi inventada na primeira metade do
século 20. Mas antes de existir o Nordeste existia a seca, o domínio das
oligarquias e o poder desmesurável de um Estado positivista que
cobrava impostos sem razões práticas, pois quem pagava era uma população sem
saúde, sem educação, sem alimento, com moradia precária, com pouca água... Ou
seja, a única cousa que tinham era a fé na justiça divina e uma cultura
carregada de história derivada do derramamento de sangue indígena e caça ao
gado "selvagem" nas matas secas e cortantes.
O governo
instaurado na República da "Espada" cobrava imposto para fazer valer
a lei e tudo partia em direção ao mundo do progresso: do casamento civil a
degola dos opositores. O semiárido nordestino vivia num
mundo republicano que não era o seu. O progresso estava longe das
casas dos sertanejos.
Mas há vida na
seca e fé também! Foi nesse processo que um ex-comerciante falido por cobranças
de impostos foi traído por sua esposa: pois ele flagrou a esposa com um
sargento de polícia (representante do Estado). Desmoralizado, endividado e sem
ofício, Antônio Vicente Mendes Maciel, o Antônio Conselheiro começou a
peregrinar pelo semiárido nordestino. Seu rancor se transformou em mensagem de
fé contra a República e contra a imoralidade do Estado laico. Com suas mensagens,
o "Bom" Conselheiro reuniu os castigados pelo flagelo da seca,
aqueles que não tinham outra opção a não ser segui-lo.
Nas margens de um
rio no sertão baiano surgiu a comunidade de Belo Monte na localidade de
Canudos. Muitos que viviam sobre o cabresto das oligarquias e que tiveram seus
bens tomados pelo Estado foram para Canudos onde receberam terras e
instrumentos de trabalho. A organização da cidade ocorreu de fato pela
efetividade de um grande mutirão. O poder exercido pelo coronel que
baseava na opressão e no carisma se transformou em Canudos. Antônio Conselheiro
substituiu o chefe político a partir da liderança religiosa e
da organização de trabalho igualitário.
Canudos
representou as bricolagens da população do semiárido perante uma sociedade hierárquica, oligárquica
e excludente do qual a cidadania não passava dos escritos da Constituição de
1891. A população de Belo Monte provou que é possível viver no semiárido em
consonância com as constantes secas.
Assim, temos em
Belo Monte a não representação da população. E hoje?
Atualmente vemos a
seca passar mais uma vez. Nas notícias de jornais e sites duas principais
informações se destacam: a luta do "sertanejo" para salvar seus
rebanhos e os pedidos de políticos por políticas emergenciais. Água é o que não
falta segundo afirma o professor João Abner Guimarães Júnior da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, o que falta mesmo é um sistema adutor que
redistribua a água do Rio São Francisco. Mas isto é função do Estado... E a
transposição do Rio São Francisco? Obras paralisadas e a solução? Empréstimo
bancários, bolsas estiagens e distribuição de ração. Se o Estado não oferecer
meios que incentivem a produção econômica do Nordeste, a seca sempre
será um problema. Tudo que é dado acaba, a solução não é "dar"
recursos de combate a seca, mas fazer com que o próprio nordeste produza seus
meio de sobrevivência. Isto é possível? Sim! Antônio Conselheiro conseguiu
fazer isto em Belo Monte.
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