sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Viver na estiagem: a sociedade de Canudos e a seca atual




O Nordeste nem existia ainda no século 19, pois segundo Durval Muniz esta região só foi inventada na primeira metade do século 20. Mas antes de existir o Nordeste existia a seca, o domínio das oligarquias e o poder desmesurável de um Estado positivista que cobrava impostos sem razões práticas, pois quem pagava era uma população sem saúde, sem educação, sem alimento, com moradia precária, com pouca água... Ou seja, a única cousa que tinham era a fé na justiça divina e uma cultura carregada de história derivada do derramamento de sangue indígena e caça ao gado "selvagem" nas matas secas e cortantes.
O governo instaurado na República da "Espada" cobrava imposto para fazer valer a lei e tudo partia em direção ao mundo do progresso: do casamento civil a degola dos opositores. O semiárido nordestino vivia num mundo republicano que não era o seu. O progresso estava longe das casas dos sertanejos.
Mas há vida na seca e fé também! Foi nesse processo que um ex-comerciante falido por cobranças de impostos foi traído por sua esposa: pois ele flagrou a esposa com um sargento de polícia (representante do Estado). Desmoralizado, endividado e sem ofício, Antônio Vicente Mendes Maciel, o Antônio Conselheiro começou a peregrinar pelo semiárido nordestino. Seu rancor se transformou em mensagem de fé contra a República e contra a imoralidade do Estado laico. Com suas mensagens, o "Bom" Conselheiro reuniu os castigados pelo flagelo da seca, aqueles que não tinham outra opção a não ser segui-lo.
Nas margens de um rio no sertão baiano surgiu a comunidade de Belo Monte na localidade de Canudos. Muitos que viviam sobre o cabresto das oligarquias e que tiveram seus bens tomados pelo Estado foram para Canudos onde receberam terras e instrumentos de trabalho. A organização da cidade ocorreu de fato pela efetividade de um grande mutirão. O poder exercido pelo coronel que baseava na opressão e no carisma se transformou em Canudos. Antônio Conselheiro substituiu o chefe político a partir da liderança religiosa e da organização de trabalho igualitário.
Canudos representou as bricolagens da população do semiárido perante uma sociedade hierárquica, oligárquica e excludente do qual a cidadania não passava dos escritos da Constituição de 1891. A população de Belo Monte provou que é possível viver no semiárido em consonância com as constantes secas.
Assim, temos em Belo Monte a não representação da população. E hoje?
Atualmente vemos a seca passar mais uma vez. Nas notícias de jornais e sites duas principais informações se destacam: a luta do "sertanejo" para salvar seus rebanhos e os pedidos de políticos por políticas emergenciais. Água é o que não falta segundo afirma o professor João Abner Guimarães Júnior da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, o que falta mesmo é um sistema adutor que redistribua a água do Rio São Francisco. Mas isto é função do Estado... E a transposição do Rio São Francisco? Obras paralisadas e a solução? Empréstimo bancários, bolsas estiagens e distribuição de ração. Se o Estado não oferecer meios que incentivem a produção econômica do Nordeste, a seca sempre será um problema. Tudo que é dado acaba, a solução não é "dar" recursos de combate a seca, mas fazer com que o próprio nordeste produza seus meio de sobrevivência. Isto é possível? Sim! Antônio Conselheiro conseguiu fazer isto em Belo Monte.


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